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Março 1, 2011 / buracodeagulha

Fotografar com uma lata de sardinhas

Um trabalho desenvolvido já com algum tempo, em torno da Fotografia Estenopeica, por Mara Gonçalves no âmbito do “Atelier de Jornalismo” no curso de Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa.

Fotografar com uma lata de sardinhas

Têm um gosto especial por câmaras fotográficas artesanais que, muitas vezes, eles próprios constroem, resultando em máquinas de toda a espécie. Se um dia vir uma pessoa com uma lata de sardinhas apontada a um monumento, não se assuste. É uma pinhole.

Pode ser conhecida por dois nomes: fotografia estenopeica – do grego stenopo, pequeno furo ou, mais vulgarmente, pinhole – do inglês pin-hole, “buraco de alfinete”. A sua origem, tal como de toda a fotografia, vem da câmara escura, invenção no campo da óptica, que consiste na ideia de que se tivermos uma caixa com completa ausência de luz no seu interior e lhe fizermos um pequeno furo, será possível ter a realidade exterior projectada no interior da caixa.

A fotografia estenopeica é assim a que se aproxima mais deste conceito, pois só acrescenta a colocação de um papel ou filme fotográfico no seu interior. “Na minha opinião deve ser utilizada como um dos recursos para se entender a fotografia, o seu nascimento e percurso”, explica José Reis, designer gráfico. “Ao ler os princípios da câmara escura reparei que esta seria a forma mais natural de obter imagens”, refere Pedro Horta, oficial da Força Aérea.

Sendo esta a base de todas as outras formas de fotografia, é também a mais simples. “Li um artigo sobre o tema e nesse mesmo dia procurei planos de construção, furei uma lata de feijões e tirei uma fotografia”, conta Pedro Horta. José Reis tinha cerca de quinze anos quando foi a uma exposição de fotografia pinhole de Regina Alvarez. Quando chegou a casa construiu uma igual à que ela apresentava: “Fui à despensa e encontrei uma lata de chá. Esvaziei-a à socapa da minha mãe e construí a minha primeira câmara”, revela.

O material é fácil de arranjar e barato, na maioria das vezes “lixo” reutilizado e passível de ser reciclado. Assim nascem câmaras fotográficas do que antes eram latas de sardinhas ou de rebuçados, caixas de fósforos e de sapatos. Mas também podem ser mais sofisticadas, construídas com madeira, contraplacado ou plástico, ou mesmo máquinas convencionais adaptadas. O importante é que o tamanho do furo seja proporcional à distância focal (espaço entre furo e lado da caixa onde imagem é projectada), para se conseguir obter uma fotografia nítida e focada. No limite, existem tabelas de cálculo para um resultado preciso.

Assim, o problema não parece estar tanto em construir as câmaras, mas sim em sair com elas à rua. “Sou uma pessoa recatada e torna-se difícil sair com uma lata de sardinhas e começar a fotografar. Em Évora fui chamado de louco em plena Praça do Giraldo”, conta Pedro Horta. José Reis teve uma experiência semelhante: “Lembro-me da vergonha que passei quando fui tirar uma fotografia junto à ponte D. Luís, no Porto. A cara de espanto e de desconfiança das pessoas ao verem-me apontar uma caixa de madeira em cima de um tripé”.

O limite é a imaginação

António Leal, fotógrafo e professor no Instituto Português de Fotografia, destaca na fotografia estenopeica a possibilidade de se decidir o formato das imagens, “sem a sujeição à «ditadura do formato»”, explica. “Ela abre as portas a toda a exposição das nossas opções e decisões. É mais nossa”. É caracterizada também pela sua simplicidade, imprevisibilidade dos resultados e potencialidades estéticas. Sem um visor por onde se “espreitar” e com a possibilidade de se fazer distorções e efeitos, o resultado é sempre uma surpresa. “É a magia da fotografia estenopeica”, revela Pedro Horta.

O único limite da fotografia pinhole parece ser mesmo o uso da imaginação. Esta está presente na construção das próprias câmaras, pois podem ir da mais insignificante caixa até mesmo a um quarto ou carrinha. “Construí uma câmara escura utilizando o meu quarto”, conta José Reis. Basta ter uns plásticos pretos opacos e calafetar muito bem portas e janelas, para que o quarto fique absolutamente sem luz. “No meio da janela fiz um buraquinho no plástico com o diâmetro de uma moeda de 10 ou 20 cêntimos. Depois a imagem da rua forma-se na parede oposta à janela”.

A possibilidade de escolha dos temas fotografados também é infinita. Como nas câmaras convencionais, com uma pinhole tudo pode ser fotografado. Apenas é preciso ter paciência para o tempo que demoram as exposições, que pode ir de poucos segundos até mais de uma hora, e adequá-lo à quantidade de luz do local e ao tamanho da câmara. Mas também se pode recorrer à imaginação na criação de efeitos. Um papel curvado origina distorções e a criação de mais do que um furo na câmara dá lugar a imagens sobrepostas e duplicadas, por exemplo.

O fundamental é praticar. Fazer muitas experiências, com materiais, tempos de exposição, enquadramentos, efeitos estéticos. Este tipo de arte é, sobretudo, experimental, e para melhores resultados apela mesmo à anotação desses elementos técnicos e comparação dos mesmos e das fotografias obtidas. “As opções de trabalho que proporciona são tão variadas que destacaria o que, para mim, resume o processo fotográfico em si: aprender”, refere António Leal.

Sensibilizar os mais novos para o tema da fotografia

Para os praticantes de fotografia pinhole é importante divulgar a actividade junto dos mais novos. “Uma das suas potencialidades é sensibilizar as camadas jovens para o tema da fotografia”, diz José Reis. No Instituto Português de Fotografia surgiu uma actividade extra-escolar ligada à fotografia estenopeica: o clube “Buraco de Agulha”, por iniciativa de António Leal. “Realizamos, já ao longo de vários anos, encontros, oficinas, exposições”, explica. Pedro Horta procura promover acções de dinamização cultural e social junto de escolas e associações. “Percebi que esta técnica era utilizada instrumentalmente como forma de intervenção social”, conta.

Por outro lado, também é comum a utilização das potencialidades da Internet para a divulgação deste tipo de arte fotográfica. António Leal, dada sua ligação profissional com a fotografia, mantém dois sites dedicados à pinhole, e outros que tratam a fotografia de modo mais geral. José Reis utiliza o seu blogue essencialmente para expor o seu trabalho. Já o de Pedro Horta “é um blogue com meia dúzia de visitas diárias”, confessa. “Faço-o essencialmente para mim. Contar aos outros o que fazemos, torna-nos mais exigentes para connosco próprios”.

 

 

Apenas com aquilo que somos, com aquilo que temos, podemos ser tudo aquilo que quisermos.”, Pedro Horta

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António Leal

http://pinhole.no.sapo.pt/qsomos.html

http://pinholeiro.blogspot.com/

José Reis

http://pinhole-gimez.blogspot.com/

Pedro Horta

http://fotodecartao.blogspot.com/

 

Mara Gonçalves – Atelier de Jornalismo – Ciências da Comunicação – Universidade Nova de Lisboa

 

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